domingo, 29 de novembro de 2009

O que tem para escrever?

Vamos escrever coisas
coisas , coisas e coisas
coisas , coisas e coisas
tempo de escrever coisas

O melhor é escrever coisas para sempre estar acordado. Coisas são coisas. Pessoas são coisas. Coisas são pessoas que gostam de coisas. Então vamos fazer coisas com as quais as coisas coisam. O plural de coisas é coisam. O masculino é coise. O feminino é coiso. Então vamos escrever coisas : somos todos livres! Podemos escrever todas as coisas do universo, pois coisas são coisas! Algumas coisas, que coisas? O antõnimo de coisa , é coiso. Me sinto, às vezes, muita coisa, às vezes, pouca coisa. Um coisa de coisa apenas. Uma coisa que sem as návegas. Uma coisas que dá S O N O. Sonosono. Sonosono. Sonosono. Então, não paremos de escrever. Coisas que se escrevem não são coisas que se esquecem.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

As pombas

Não enganem as pombas!

Não joguem bitucas

No meio da rua

Fazendo-as querer

Comer um pedaço



Não enganem as pombas!

Não as façam querer

Mais do que possam ter

Não iludam, não falem

Não as deixem sofrer



Não enganem as pombas!

Não minta , não finja

Que sente

Reflita

Não enganem as pombas,

Elas só querem voar.

domingo, 7 de junho de 2009

and the end starts

E foi quando procurei seu telefone que percebi que algo estava errado. Num momento de extrema cólera e depressão, peguei-me mandando uma mensagem. Para quem? Ninguém: o número já não existia.

O que havia acontecido? Qual o mistério do número perdido?

Tudo começou a 11 ou 12 anos atrás. Era tão mágico, tão perfeito. Perdíamos ( ou ganhávamos) tempo com as mais puras e ingênuas brincadeiras. Nos divertíamos. Dois pequenos seres com vasta imaginação e alegria latente.

Até que crescemos.

terça-feira, 26 de maio de 2009

considerações sobre o tempo (3)

Não sei se quero que ele passe.
Não só o tempo.

Não sei se quero que ele passe.

Creo que el silencio en este caso, además de ser más conveniente, resume muy bien este momento: vacío.

(des)conexões.

Hoje estou completamente sem inspiração. Estanho. O que estaria eu fazendo aqui? Se nada tenho a acrescentar a vocês? Também não sei a resposta, só senti que precisava postar alguma coisa por aqui.
Eu queria escrever algo bonito, algo gostoso de ler. Mas hoje está difícil.

Ah! Achei um assunto!
Sabe o que eu queria que inventassem? Uma máquina para poder descubrir o que se passa na mente de algumas pessoas. Juro! Seria muito útil. Diminuiria distâncias, dores, momentos desagradáveis e , ao mesmo tempo, aproximaria as pessoas certas e as felicidades inerentes a cada um. Seria mágico!

Tenho vontade de desvendar a mente de algumas pessoas. Não precisa de detalhes, me contentaria com o básico, com o superficial talvez. Ai, não sei se me contentaria na real; talvez um segredo mortal. Um ou dois. Três? Ok.

Afinal de contas , todos tem segredos. Procede? Alguns tentam esconder o máximo de tempo possível, será mesmo possível? Ás vezes um grande segredo que você acredita guardar somente para si mesmo está explicitamente claro. Ás vezes não. Quem sabe, só alguém com os sentidos mais apurados consiga percebê-lo.

E quanto a idéia de submeter a própria felicidade a valores desvalorizados(pelo menos do meu ponto de vista)? Será que realmente é válido?


Acho que deixei muita gente confusa. Ando causando muita confusão ultimamente. Não sei até onde isso é bom. Se é que é bom.

Creio que o silêncio, neste instante, além de ser extremamente mais conveniente resume bem este momento: vazio.

domingo, 24 de maio de 2009

considerações sobre o tempo (2)

Hoje abri meu caderno de anotações o " O povinho criativo" meio que numa tentativa de achar algum escrito que me deixasse mais feliz. E lí o seguinte :

"O tempo passa. Mesmo quando isso parece impossível. Mesmo quando cada batida do ponteiro dos segundos dói como o sangue pulsando sob um hematoma. Passa de modo inconstante, com guinadas estranhas e calmarias arrastadas, mas passa. Até para mim."


O tempo passou para a Lispector. Será que pode passar para mim?


update

Pode e passou. (:

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Amor com amor se paga. Ou não.

E foi quando abri o MNS e li no subnick de alguém “ Falzas Esperanzas” uma música, obviamente , em espanhol da Shakira. Meio que num presságio, meio que num reflexo de um momento futuro, senti que, ao abrir orkut, não veria uma notícia boa.



Como todo apaixonado , tolo e sem noção nenhuma da realidade, prendi-me há uma falsa esperança de que ainda haveria uma possibilidade. De que haveria alguma chance da vida dar uma revira-volta e das coisas ficarem mais claras, mais translúcidas, mais verdadeiras. Confiei demais na vida, e porque não dizer na sorte? Vidro fosco. Foi isso o que eu vi. Nenhuma imagem. Só sombras. Sombras escuras e tristes.

Fazia tempo que não me sentia assim. Fazia tempo que alguém não despertava tamanha paixão, tamanho interesse. Aliás, passada algumas experiências nada interessantes na recente adolescência marcada por privações e negações ( de todas as partes, por todas as pessoas, pelo mundo) não me permitia mais esse tipo de sentimentalismo.”Amar é para os fracos” repetia insistentemente todos os dias numa maneira escrota de tentar me convencer de que amar era , realmente, para os fracos.Era?É?Foi?Não, ainda não foi.



Sabe que com essa experiência me senti até mais humano? Um sentimento, totalmente verdadeiro, se aflorou com o passar do tempo... confesso que achei bonito ver todo o processo – só não esperava o desfecho que se teve, mesmo. Era o que eu conversava com uma amiga e com você ali no começinho do texto, por mais que você saiba que há uma possibilidade de dar tudo errado, sempre há aquela esperançinha bem no fundo do coração cintilando : calma, você vai conseguir. Mas ela é traiçoeira, seduz e depois apaga seu brilho. E para nos ver sofrer, submete a própria existência sem pestanejar. Plim. A luz se vai, as cortinas se fecham e o espetáculo acaba. Acaba pra quem vê de fora, acaba pra quem acompanhou tudo o que houve, mas pra mim continua...



Tudo na vida é uma questão de escolhas.To certo? Enfim, é uma questão de tempo. É uma questão de estar preparado para receber e dar notícias. Dar novidades – por um lado boas e libertadoras, por outro tristes e repressoras. Temos que saber lidar. Saber assumir o que sentimos. Fiz isso agora, publiquei este texto e espero que , alguém que tenha passado pelo mesmo que eu , se identifique e procure não ficar tão mal. Que hipócrita eu, to super mal aqui quase que corroído por dentro e pagando de “já superei”. Sendo sincero : o amor machuca. E “falzas esperanzas” destroem. Obrigado Shakira pela premonição.

sábado, 4 de abril de 2009

imperfeito

" Professeur, je ne parle pas très bien français. Je n'ai pas beacoup vocabulaire, alors...". E foi assim que começou mais uma aula. Ele nunca sabia o suficiente. Estava sempre na média. Nem muito , nem pouco. Nem cheio, nem vazio. Nem alto, nem baixo.Nem gordo, nem magro. Nem alegre, nem triste. Era sempre meioalgumacoisa ( sem hífen, agora).
Vivia uma vidinha medíocre, era dominado pela rotina e , como todos dizem, amava as coisas simples da vida.Somente as coisas simples, pois as complexas não compreendia.
Fizera 23 anos recentemente - dizia ser metade da vida. Vivia com dois amigos e tudo dividia. Tivera uma namorada - meio esquisita. Sempre a encontrava : ao meio-dia. Fizera alguns cursos : mas nenhum o preenchia.
Sentia um vazio tão grande, tão devastador, tão absurdamente imensurável que chegava a crer que isto era o que realmente lhe cabia. Ao mesmo tempo que sentia que esse vácuo , na realidade, não existia. Então se contentava em ser meio-realista.
E quanto a meiaexplicação, será que serviria?
Acreditava, ou cria, que para meioentendedor uma palavra bastaria.

Uma bosta de uma palavra bastaria.


domingo, 22 de março de 2009

tudo o que tiver que ser será.

Mas o que ele queria encontrar?
Aonde ele gostaria de chegar?
Será que os sonhos não foram feitos somente para serem sonhados?
Será que as metas não foram feitas para não serem cumpridas?
Os objetivos para não serem traçados?
E a respeito da agonia que espreita cada centímetro quadrado?
E a ansieade que consome cada polegada?

Perguntas retóricas.

E o desejo que deseja cada vez mais forte?
Tem o medo.
Mas que medo?
E a certeza de que não existe a morte?
Certeza?

Não se pode desistir.
O intenso desejo provoca mudanças.
Boas ou más, basta escolher.

sábado, 7 de março de 2009

isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além.

Ontem aconteceu o 9º PUTZinho na UFPR. Nele, são apresentados alguns vídeos produzidos pelos alunos de Comunicação na matéria de Téc. Básicas de TV. Dentre os diversos prêmios, eu e minha equipe conquistamos 4 importantes : melhor direção, melhor roteiro, melhor edição e melhor trilha sonora. Fiquei muto feliz com o resultado; é muito legal ver um trabalho seu ( bem feito) ser reconhecido.Agradeço a todos da equipe e os parabenizo pela conquista! Parabéns pessoal! Foi muito bom trabalhar com vocês.

http://www.youtube.com/watch?v=eJ3PFDVXtrI - Trailer
http://www.youtube.com/watch?v=YL2hRi_RQL4 - Filme Completo

Um Filme de Jean Michel, Lucas Turmena, Angélica Rodrigues, Mariana Talevi, Geórgia Walach, Carla Gonzáles, Maurício Neves, Lílian Joyce, Valéria Queiroz e Paulo Franz.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

horrivel é ...

...invadir a privacidade alheia e ainda querer tirar satisfação.
... querer censurar o que os outros pensam.
... ler o que não lhe foi escrito.
... querer humilhar as pessoas.
... ter uma postura anti-ética.
... ter prazer em ser ignorante.
...ser falso moralista e hipócrita.

Basta.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

encontro de lispector com deus ( ou de deus com lispector).

- Clarice?

- Pois não?

- Finalmente nos encontramos.

- Com quem falo? Quem me aguardava? Onde você está?

- Aqui

- Não posso enxergar-te.

- Por enquanto.

- Tudo para mim, até após a morte, insiste em ser um mistério.

- Me responda, considera que sua passagem pela Terra foi algo proveitoso?

- Não sei dizer.

- Não me entende?

- Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado.

- Então...

- Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.

- Eu te entendo.

-Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca. Se você me criou, seria esperado que me entendesse.

- Não te entendo.

- Aqui se pode fumar?

-Não me importo.

- Creio que fui enterrada com um maço de cigarros...

- Fique a vontade.

-...aqui está.

- Você foi ousada em tentar desvendar o ser mais enigmático que criei.

- Eu falhei nesta missão. Tentei ,mas o que eu sinto não é traduzível.Eu me expresso melhor pelo silêncio. E como ninguém conseguiu ler meu silêncio...sinto que falhei.

- Está calma para quem sempre temeu a morte.

- Temia, mas ainda creio que é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Não é justo. Ou seria?

- O justo é relativo , Clarice.

- Deixe-me voltar?

- Para onde?

- De onde eu vim.

- Você já foi e já voltou de tantos lugares

- Sempre desconfiei.

-Várias vidas, várias formas, várias experiências. Muitas Clarices.

- Sentia isso em mim.

- E pra que voltar?

- Você bem deve saber que o que obviamente não presta sempre me interessou muito.

- Quem é Clarice?

- Você disse que me entendia.

- Te entendo. Quem é Clarice?

- É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.

-Quem é Clarice?

- Porque insiste?

-Por que gostaria de descobrir.

- Não escondo nada.

- Sei bem que não.

- Eu sou uma longa frase com um ponto de interrogação,varias virgulas, mas nenhum ponto final.

- Eu sou seu ponto final.

-Não é possível. Não tenho fim.

- Realmente, você nasceu para tomar conta do mundo.

- Sei bem; nasci incumbida.

- Você não volta mais , Clarice.

- E porque não?

- Sua missão já foi cumprida. Eu preciso de você aqui.

- A Deus eu só poderia dizer adeus. O que precisa de mim?

-Que me ajude a compreender minha obra.

- Cada artista que compreenda o que fez. Se lhe fugiu das mãos a interpretação,sinto muito.Não lhe posso ser útil.

-Não é assim.

- E como é?

- Você é parte de mim. Uma grande parte de mim que mandei a Terra.

- E por que fez isso?

- Os homens mereciam um pouco dessa nossa lucidez embriagada por devaneios.

- Isso dei a eles, certamente.

- Então fico?

- Fica.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

considerações sobre o tempo

Às vezes faz-se necessário um tempo para a não-vida. Um tempo para o existir por puramente existir. Um tempo de todos.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

minha droga

Cada pessoa é capaz de distinguir qual substância a entorpece. Cada pessoa escolhe e usa , às vezes abusa, de algo que a completa, preenche, recria, glorifica, engrancede. Sentir-se bem ( sentir-se verdadeiramente um indivíduo)é algo passível de compreensão; cada um sabe onde buscar prazer e de que maneira fazer isto - é quase que uma habilidade inerente a cada alma dentro deste planeta ( quem sabe fora?). Prazer este que causa gozo por causar.Que causa satisfação , às vezes intelectual , às vezes sentimental , às vezes até mesmo carnal, por causar. Caio numa alegria súbita, enquanto escrevo - pois alguns devem saber, já, que escrever me dá fôlego, me reanima; é quase como voltar a vida; viver novamente - incoerente, indecente , mas crente de que estou vivo. E se estou vivo, escrevo. Mas voltando ao ponto fundamental do qual, se não tomo cuidado, quase me distancio: cada um possui a sua droga. Não droga no sentido pejorativo de coisa ruim, imprestável, de uma exclamação que se solta quando está dando tudo errado. Esta é uma droga diferente, uma droga passível de amor, compreensão, adoração - pelo menos a minha.É diferente.É uma droga que alivia , que entorpece ,que me deixa mais leve, mais a vontade , mais não-triste, mais hu-ma-no ( sim , separado sílaba por sílaba). O que me faz perder os sentidos, o juízo e ao mesmo tempo me alivia, além de escrever - fato óbvio- é a publicidade. Cada título novo que surge, cada idéia genial que aparece - confesso que nem sempre aparece uma idéia genial , e sofro por isso. É como se eu mesmo me privasse de minha mais apaixonante dependência - cada slogan bem escrito, cada vídeo bem produzido. Ahhh, entro em nirvana , em êxtase. Talvez eu seja um caso patológico: minha sujeição a propaganda aumenta a cada dia. Todo o dia. O dia todo.


nota: texto todo em negrito, pois o que eu sinto é forte. Forte.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Any Mayer

Capítulo 2

Havia muitas pessoas em Nortonville. Muitas não, o suficiente. O dia-a-dia agitado, e as preocupações cada vez mais corriqueiras distraiam cada habitante com seus afazeres e com seus mundinhos-particulares-fechados-em-si-mesmos."O individual se sobrepõe ao coletivo" – acho que li isso, certa vez, em um livro velho de sociologia e percebi o quanto era aplicável à minha realidade. Ninguém se preocupa com ninguém, ou melhor, ninguém não se preocupa com alguém e alguém se preocupa somente consigo mesmo; fabuloso. Até que, de repente, uma pessoa, ou um alguém, num gesto de extrema gentileza lhe estende a mão após uma queda; mostra-lhe - através de um toque sutil, amável e delicado- que em meio a tanta selvageria ainda restava um pouco de civilidade e compaixão.

-Deixe-me lhe ajudar – disse a voz num tom quase que angelical, já com suas mãos tocando as minhas. Aceitei a ajuda de bom grado.

Suas mãos eram macias como um vestido de seda que eu sempre almejara e tocara ao passar por uma loja no centro da cidade; eram tão quentes que seria capaz de apostar que ela havia acabado de tomar um chá naquelas xícaras inglesas (aquelas sem alça). Tocá-la despertaram, em mim, alguns desejos que sempre mantivera em meu subconsciente, sempre reprimira; desejos os quais jamais acreditei que aflorariam fora dos meus mais devassos sonhos. Como um simples toque poderia me fazer sentir essas coisas? O que eu sentira não era normal. E eu, era normal. Deveria ser pelo menos. Deveria sentir o que as pessoas normais sentiam. Não poderia sentir essas coisas. Assustei-me.

Curiosa, levantei meu rosto em direção ao dela. Era simplesmente... linda. Tinha a pele clara, o cabelo ruivo e curto – um corte moderninho, meio torto pra esquerda- com uma franja que cobria boa parte de sua testa; seus olhos eram verdes (extremamente verdes) e seus lábios eram bem traçados, carnudos e munidos com um piercing do lado direito– olhá-los me provocava algo que não deveria provocar. Trazia no dia, como acessório (necessário, acredito) um óculos com armação vermelha que possuíam lentes finas e quadradas. Peguei-me admirando sua beleza por algum tempo, até que ela me trouxe à realidade.

- Você está bem?- Disse a voz mais aveludada que já ouvira.

- Ah,ah, sim estou. Obrigada por perguntar...

- Que isso!Ajudar nunca é demais – disse olhando fixamente meus olhos. Não conseguia raciocinar. Não tinha respostas para aquele ser tão apetecível.

- Hein, já passou! Relaxa, pode conversar comigo! Eu não mordo! - disse ao mesmo tempo em que abriu um largo sorriso e completou – a não ser que peçam!

Caímos, as duas, na gargalhada. Eu não estava acostumada com isso, não estava acostumada a receber tanta atenção. Foi a primeira vez que senti que alguém se importava; que alguém se preocupava com meus sentimentos. Senti que havia falhas em minha teoria sobre “ninguéns e alguéns” não se importando com “alguéns e ninguéns”.

Os risos cessaram. Fiquei por algum tempo encarando-a. Nunca havia visto ela ali no colégio, muito menos na cidade. Nunca havia notado extrema harmonia de proporções. Talvez seja porque eu nunca via nada; olhava, mas não enxergava; via, mas não interpretava, não decodificava. Mas ela, agora com forma definida, porém ainda sem nome, tinha algo de especial, algo mágico até. Não percebê-la seria injusto, seria como comer a famosa fruta proibida – um pecado irrevogável.

Senti que meu coração começara a acelerar. Ela me olhava com curiosidade e parecia ter percebido o quão alterada eu estava, parecia ouvir cada batida arritmada em meu peito.

-Acalme-se, menina! – exclamou com uma simpatia contagiante.

- É...estou calma.... Mais uma vez, me desculpe pelo transtorno. Sou tão desligada às vezes que mal percebo as pessoas a minha volta! Me perdoe se...
- Como é seu nome? - interrompeu-me, delicada.

-Any, Any Mayer. – apavorei-me. Porque ela estaria interessada em saber meu nome?

- Will, Will Demczuk. - estendeu sua mão a fim de me cumprimentar. Achei esquivo seu nome, para mim Will era um nome masculino. Tomei coragem e ia comentar o fato, mas ela sempre era mais rápida.

-Vem de Willow, não se assuste. – riu calorosamente.

Eu ficava cada vez mais confusa. Não sabia se minha afeição por ela vinha devida sua gentileza e simpatia incomparável, da sua beleza fora do comum ou da importância que ela dera a um ser tão repreensível com eu. Talvez eu a invejava por ser... assim. Não sabia o que eu realmente queria dela; companhia? Amizade? Claro, só existiam essas duas opções – pelo menos as únicas que eu tentava assumir para mim mesma.

- E então, você estuda aqui, Any?-fez a íntima. Meu nome pronunciado por sua boca parecia a mais bela palavra, possuía o mais belo som.

- Sim, estudo. Agora, limitava minhas respostas ao máximo. Mas não adiantava, Willow parecia ser capaz de adivinhar cada passo meu, cada pensamento e cada frase mal formulada por mim e não expressada.

- Ahn, entendo. Eu cheguei ontem na cidade. Estou trazendo uma papelada infernal para fazer minha matrícula – sorriu.

Em meio a tantas perguntas possíveis de serem formuladas, disse:

- Legal... e, e em que série vai entrar? – tentei perder um pouco da minha timidez.

- Terceiro – respondeu.

- Terceiro B – disse baixo. Não havia compreendido, pedi para que repetisse.

- Terceiro B, B de bola, B de baixo, B de bisca, turma B, oras! – disse. Em seguida, chegou a cinco centímetros de meu ouvido e sussurou – B de bissexual, Any.

O que era aquilo?Escandalizei-me. Eu sabia o que era aquilo, mas o que era aquilo externalizado, falado?! Meu rosto enrubesceu-se no mesmo instante. Até mesmo ,eu, pude ouvir as batidas cada vez mais fortes que meu coração insistia em dar. Em meio a tantas palavras, porque justo aquela? E dita baixinha em meu ouvido? Vários modos de reagir passaram pela minha cabeça, inclusive, dar-lhe um empurrão e insultá-la: sapata!

Willow começou a rir fervorosamente. Provavelmente percebeu como a situação fora constrangedora para mim. Acenou com a cabeça, pegou seus cadernos e vários papéis e saiu em direção a secretaria do colégio – sempre rindo. Eu estava paralisada no mesmo lugar onde havia ouvido a palavra bissexual. Mal me dava conta do que tinha acontecido. Não conseguia administrar minhas emoções – eram muitas, e eram confusas.

Ainda caminhando, Willow olhou para trás e gritou.

- Turma B, Any! Turma B!

Que diabos de turma B que essa menina tanto falava? Não conseguia entender. Eu achei a piadinha com o “B” extremamente sem graça e agressiva e não entedia a ênfase que uma estranha, que eu acabara de conhecer, estava dando na letra. “Turma B, Turma B’’ peguei-me murmurando.

Eu estudava no Terceiro B.


domingo, 11 de janeiro de 2009

Any Mayer

Capítulo 1

Era pra ser mais um dia. Normal, como os outros. Comum, para uma pessoa comum, como eu. O sol invadia meu quarto com tamanha força que, ao abrir os olhos, tive a sensação de que minhas retinas queimavam; uma lágrima caiu instantaneamente. Levantei-me lentamente, como de costume, tirei meu pijama estampado com flores e decorado com lantejoulas – cafona, mas era presente de minha mãe, eu a amava, eu o usava - e me dirigi para o banheiro. Tomei meu banho; frígida, ensaiei uma masturbação, me sequei e voltei ao meu quarto. Vesti uma calcinha que ganhei de natal de minha avó – vermelha e com babados em azul-marinho -, um velho e surrado jeans e uma laforet roxa. Estava animada, e geralmente quando estou com um bom estado de espírito, arrisco usar meu all star verde (desbotado pelo tempo) que comprei aos 15 anos, ou seja, dois anos atrás.

Desci as escadas e avistei a mesa; lá estava Arns, meu pai, e Leslie, minha mãe, ambos me esperavam para o tradicional café em família, - cabe acrescentar que em nossa casa tudo era extremamente simples, não víamos no luxo uma solução para nossa infelicidade; vivíamos, e isso já bastava- café, pão e margarina, sempre. Essa era nossa realidade, e sabíamos lidar bem com ela.

- Any, meu amor, sente-se a mesa! – disse minha mãe, antes mesmo que eu descesse às escadas; era nítida minha pressa.

-Mãe, pai, desculpe-me, é que estou muito atrasada – objetei enquanto pegava minha mochila que se encontrava jogada ao lado do nosso velho sofá. Leslie murmurou alguma coisa e despediu-se de mim com um aceno de mãos; Arns, meu pai, ficou indiferente, como sempre.

O caminho até o colégio não era longo, nem curto: era o caminho até o colégio- algo que me irrita é calcular tempo e distância; o professor Carl, sabe bem do meu drama, minhas notas em física não me deixam mentir; então não calculava nada, só andava, seguia em frente, tipo Johnnie Walker.

Eu dificilmente reparava em detalhes, mas naquele dia – em que a luz entrou em meu quarto (e em minha vida?) como uma intrusa- comecei a perceber, ou ao menos tentar perceber, o mundo a minha volta. Árvores, flores de todas as cores, pássaros, pessoas – existiam muitas em Nortonville, não sei ao certo quantas. O céu já estava claro, o clima era ameno (havia acertado na escolha da roupa), um vento insistia em cortar meu rosto, trazendo toda poeira e folhas da cidade contra minha pele oleosa e com algumas espinhas.

Passado alguns minutos já estava em meu colégio. Sentia algo de diferente no ar; não acreditava em sexto sentido e, certamente, não me via como uma pessoa sensitiva; mas sentia que algo grandioso aconteceria, era perceptível – ao menos para mim – que uma mudança estava para ocorrer. Como de costume, me encaminhei – sempre atenta e a alerta aos possíveis sinais- até minha sala. As aulas passaram normalmente, uma atrás da outra; o dia estava sendo comum; estava sendo normal, estava como sempre fora.

Meio dia. Fim da última aula. Enquanto o professor terminava de passar as instruções para um trabalho prático de biologia, eu , ansiosa como sempre, já guardava meus materiais e imaginava o que estaria por vir, o que mudaria na vida de Any Mayer. “Então é isso, até semana que vem pessoal.”, essas palavras eram como um copo de cerveja extremamente gelado em um dia quente na Califórnia. Peguei minhas coisas e saí da sala.

No colégio, não me encaixava em nenhum “grupo social”: era feia demais para ser líder de torcida, inteligente de menos para o grupo de xadrez, desastrada demais para o time de vôlei, esquisita de menos para ser gótica. Não tinha amigos – hum, a não ser a Dulce, dona da lanchonete, que sempre conversava comigo sobre beterrabas e a falta de educação de alguns meninos na hora de comer. Eu não me importava com isso, mesmo. Sempre gostei de estar, como dizia minha mãe, a margem da sociedade. Ás vezes eu chegava a pensar que não era desse planeta – estes pensamentos exteriorizados me custaram 10 sessões com uma psicóloga amiga de Leslie.

Como disse, a aula havia acabado e nenhum sinal da “grande mudança”. Sentei em um banco que ficava em frente ao meu colégio, assistindo a uns meninos que faziam manobras radicais com seus skates – pelo amor de Deus; já estava desencantada com a possibilidade de mudanças.

Estava exausta, não queria mais ficar ali – os garotos de skate me aborreciam-, levantei-me e me dirige ao portão de saída. Havia dois grandes muros que sustentavam o velho portão enferrujado, tais muros limitavam a área de visão das pessoas que e entravam e saiam do lugar. Eu , distraída , me dirigia cada vez mais rápido – e sem sequer olhar para frente- para a saída.

-Ai! – uma voz gritou. Percebi que com minha pressa havia esbarrado em alguém.

- Me desculpe! Como pude não ver você – disse ainda de cabeça baixa, recolhendo os cadernos da pessoa com quem havia entrado em choque – Nossa , me desculpe mesmo! Como sou .....desastrada. Levantei o rosto rapidamente para tentar identificar com quem conversava, fiquei meio desorientada, a velocidade do meu movimento me fez perder o senso de equilíbrio. Caí.

Segundos depois, ví uma mão com as unhas bem feitas, com um esmalte em tons de vermelho-vinho me oferecendo ajuda para levantar. Aceitei. Quando peguei a mão da pessoa ,cujo o rosto ainda era desconhecido , senti um frio imenso na barriga, algo que nunca sentira antes. Fiquei inerte por um tempo – estava tentando controlar e identificar as emoções e sensações que passavam pela minha mente.

O dia continuava lindo. O sol continuava a pino.