quarta-feira, 23 de março de 2011

Metódica

- Eu te amo.

Que espécie de ser humano solta palavras assim, dessa maneira. Eu não sabia qual era sua real intenção ao dizer isso e muito menos como deveria agir. É tão profundo, tão sublime, tão romântico. Não nego que estamos a algum tempo juntas, mas tempo suficiente para surgir o amor? E o que é o amor? Defina :.............. Qualquer tentativa de explicá-lo, seja com a palavra, seja com a pintura, seja com a música, seja com o filme, seja com páginas e mais páginas de um bom livro, são inválidas, são tortas, são incertas, são falsas, são piegas, são estranhas, são não-amor. Amor é pra ser sentido, não para entender. Entender o amor é tarefa para mais de algumas vidas, para mais de alguns pequenos instantes que passamos aqui. O aqui é passageiro, é o hoje, é o momento, é o tempo que passa a sua frente sem nenhuma timidez. Maldito tempo que inventamos e que tanto nos aborrece – delimitar é limitar e se limita não me agrada. Não me agrada porque a vida, assim como o amor, é para ser vivido sem convenções criadas pelo homem, sem a interferência imperfeita do toque de suas sujas mãos. Sujo, isso o amor não é. E o que não é o amor? Defina:............ Já não sei o que pensar, divago livremente. Antes, ainda tinha um coração puro e leve , mas que agora é duro e pesado pelas palavras não esperadas que recebeu. Sinto-o bater em ritmo descompassado, estamos nos estranhando. Tire esse fio de cabelo da boca, isso me dá agonia. Isso. Desculpe-me, não é por ser você, sou cheia de manias. Me irrito facilmente e posso ferir. Desculpe-me se te vejo com olhos sedentos, se um eu canibal assume meu corpo quanto toco sua pele. É a química - a física e a literatura, convivendo juntas em um mesmo ambiente, girando pela sala como se dominassem o ritmo e se conhecessem a dança intimamente. Três, dois, um. Sabia que ia fazer isso, quando está nervosa sempre da uma leve mordida na parte inferior do lábio combinando a agonia de uma espera com a ânsia por alguma resposta – o mesmo, de várias maneiras. Posso ser assim, repetitiva. Posso ser assim. Já disse como posso ser? E o amor, onde fica? Onde entra? E desde quando precisa de permissão para invadir? Você me deu seu peito e eu entrei. Rasguei camada por camada, ultrapassei as vísceras e tomei a liberdade de tirar a sua – liberdade. Não se comanda o que se sente, assim como não se controla o que se pensa. Por favor me desculpe, por favor. Eu não quis que fosse assim, vivemos na mesma frequência, mas em intensidades diferentes. Me entende? A aula já vai começar, alguém vai entrar por aquela porta e por fim a tudo isso. E quando acabar vamos sair, nos abraçar e vai estar tudo bem. Te dou um beijo daqueles que faz você se arrepiar toda, que faz você implorar por mais. Nenhum sinal de vida. Aliás, dois sinais de vida – pulsantes e latentes – um de frente para o outro. Jamais poderei traduzir o que trago no meu mais insano interior, no meu mais obscuro eu. Não nasci incumbida e, apesar de trazer curiosidades, não quis fazer a faxina: morro de medo de baratas. Abro as janelas e viajo livremente. Fechos os olhos em busca dos seus tentando encontrar o que tanto procuro. Saltam para fora, azuis, escorrem pelo o chão. Derretem, janelas se. Arrebentam portas todas. Vidros, quebram se, mas não existem cacos. Os cacos estão em nós e marcam cada milímetro da nossa alma. Vivo o surreal, vivo o inexplicável e sinto o que não existe. Você é tão bonita, já disse isso? Gosto de como sorri, gosto de como se irrita com a mais fraca luminosidade – tem os olhos sensíveis. Alma sensível? Se são janelas da alma, faz sentido. O toque é revelador e traz em a grande experiência humana que é : sentir. Um grande calor atravessa meu corpo físico dos pés a cabeça. Se não estivéssemos aqui te agarraria com toda a certeza de que nossa intimidade não existe a toa. Ia ser recíproco. Eu quero te beijar. Olhar o contorno dos seus lábios me faz ter os mais devassos delírios, lembro-me de onde estiveram ontem e onde os imagino hoje. Imaginava? Porque você fez isso? Se quisesse brigar seria mais fácil se fosse direta a algum ponto que eu não pudesse contestar, mas você me ama. E isso me assusta. Quero te responder, mas me desculpe, não me sinto preparada e não sei o que dizer. O que cativo por você está distante de qualquer significado já colocado pelo homem em resumos, resenhas, artigos, livros, coletâneas ou dicionários. E isso me perturba. Quero te dizer, mas dizer o que? Por favor não roa as unhas. Não, não abaixe os olhos como quem aceita uma derrota. A ansiedade consome cada polegada do seu coração, posso sentir e sinto-me: culpada. Se eu pudesse por fim a sua agonia... Eu gosto de me envolver, eu gosto de você, mas NÃO! Deixe-me pegar um lenço, espere,...............pronto........agora.....está...limpo. Emoção materializada. Não me obrigo a me entender, as vezes a melhor resposta é justamente : não ter uma resposta. Não posso ser lida, existem muitos mistérios que guardo em mim por puro prazer. Gosto de sentir-me assim, única e dona do segredo do universo. Dona do segredo do meu universo. Se não posso entender o que sinto, não vou encarregá-la disso, seria injusto. Acredito que a complexidade, assim como as dificuldades, acabam sendo criadas por nós mesmos ,talvez na tentativa de ampliar o sentido da vida. Vida tem que ser difícil, tem que ser doída, tem que ser vivida. Pela dor chega-se a felicidade – ou passa-se bem próxima dela. É como se a dor fosse um passaporte para grandes descobertas. Desvendar a vida é como arrancar com uma faca bem afiada um grande pedaço da pele e , em seguida, colocar os dedos e mexer na ferida sem nenhum pudor. Aguarde meu amor, mais alguns minutos e alguém vem nos salvar. Vamos nos abraçar e vai ficar tudo bem. Te dou um beijo daqueles que vai fazer você se arrepiar toda e implorar por mais. Me entende?

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sua água, senhora.

Dia cinzento e frio. A chuva caia fina pela cidade, já era possível observar algumas poças pelas calçadas. Lavava o sujo, limpava os vestígios de algo que algum dia já se amontoou. Era água, água dona de grande pureza e que sozinha poderia dar o brilho que o pó ofuscava. O ônibus parou no lugar onde ela costumava descer. Talvez fosse a última parada, o último suspiro antes de se encontrar com o desconhecido.

Dona de cabelos curtos a senhora trazia um olhar triste e lábios finos que quase formavam uma meia-lua. Em um primeiro momento, hesitou ao por os pés para fora do veículo, como se ao invés de água, fosse lava o que existisse sob seus pés. Eis que uma gota trazida pelo vento tocou-lhe o rosto. Sentiu o gelado escorrer por entre as maçãs chegando, lentamente, a boca. Fria, escorregadia e inesperada. O sabor da supressa, o gosto do inesperado que veio de longe e beijou-lhe, sem pudores. Numa falsa intimidade, numa abusiva intimidade tocou seu corpo com ousadia fazendo-a arrepiar. Era assim que então acontecia? Sem esperar, sem planejar, sem desejar?

Foi tão fácil que custou a acreditar, não sabia como reagir. Na ânsia de eternizar o momento se quer piscou, não mexia um músculo na tentativa de prolongar a sensação do novo, do extraordinário. Era como se tivesse tocado o mundo, sentido da dor mais agonizante a alegria mais plena. Estava viva, por mais que duvidasse, estava viva. A esperança havia chegado, e agora só dependia dela saber utilizar o que lhe foi cedido. A gota continuava estática, se equilibrando entre o começo e o fim da triste lua como se aguardasse uma decisão. Num gesto único de coragem a senhora resolveu reagir, passou a língua nos lábios e engoliu gota.

Em pleno caos sentia lentamente o líquido fazer a passagem por todo seu corpo até chegar ao seu estômago. Deitada em pleno caos abriu a boca sedenta e encheu-se de esperança antes de fechar os olhos.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Terapia

É como se estivesse embriagado. Como se meu corpo já não respondesse às minhas ordens, ao meu sentido. O real confunde-se com a fantasia e traz o lúdico (o louco e o insano?) como a única realidade. Meus olhos fecham-se lentamente e piscam na tentativa de que eu os mantenha juntos por mais que alguns segundos. E é neste momento que me sinto a vontade para escrever, que me sinto livre e um pouco mais eu. Um eu que muito se revela apenas no cair da madrugada, junto aos carentes anônimos noturnos surge o real (ou pelo menos um retrato fiel do que seria o real) escritor apaixonado.

Sem vestígio de vergonha alguma, bato ensandecido o dedo nas teclas. O corpo sente a falta da nicotina, não há nada nas veias para acelerar e – num paradoxo único, meu – acalmar os ânimos para melhor dar forma as letras. Se tivesse um maço, aqui e agora, pararia por alguns minutos – sete – e puxaria o tabaco com a vontade de quem há dias não prova d’água.

Há muito no mundo para se escrito, há muito no homem para ser descoberto. Os primeiros obstáculos que se encontram, seja qual for a busca que se inicia, são a ansiedade, a angústia e o medo – de falhar? Entregar-se por inteiro, aventurar-se em direção ao desconhecido, jogar-se ao nada há procura do todo, mesmo que para isso haja o risco de espedaçar-se por completo. Sempre fui assim, intenso. Nunca gostei das coisas pelas metade, nunca procurei por meio carinho, meio amigo, meio amor. O mediano, o medíocre, não me provoca. Gosto do que me desafia, do que me faz sentir, do que me dá a certeza de que estou vivo. Se estou vivo, sofro, sorrio, caminho e continuo. Sempre estive disposto a lidar com o que me aparece pelo caminho, com o que o destino joga pela estrada e que numa falsa intimidade grita “ se vira”. Era bom assim, apesar das tensões criadas por uma rotina tediosa eu conseguia me guiar, até que algo me tirou do eixo. Uma Paixão, sim com p maiúsculo, me foi colocada como desafio.

Aquariano com ascendente em câncer – muito do que aconteceu poderia ser resumido com essa única frase, se sabe dos signos, sabe do que digo. Eu nunca havia passado por tamanho caos, o destino parecia querer me provar mais do que nunca, de que sim : corria sangue pela minhas veias e a vida estava latente, pulsante.

Da alegria extrema a indícios de depressão – diagnosticada por médiuns e médicos. Hoje, consigo analisar de fora, me envolvendo menos, e ver como fiz coisas erradas e como a vida foi me dando sinais de como tudo acabaria – mas eu, imaturo e teimoso, recusei-me a ver. Tão grandiosa foi e experiência que consegui, com facilidade, conhecer-me melhor. Descobri um eu muito mais autêntico, mais crescido, mais homem depois do ocorrido. Eu havia crescido e foi preciso muita dor para isso. Eu havia crescido e descoberto um de meus maiores medos e, ultimamente, companheira constante: a solidão.

Sempre fui muito sozinho, mesmo quando criança já gostava de ter o meu espaço e de poder construir-me como ser humano sem grandes dependências. O vazio, o silêncio pode ser tão prazeroso, quanto duro, dependendo da situação da vida em que nos encontramos. O processo de autoconhecimento, tão necessário para a evolução espiritual ( e terrena, por que não?), é doloroso e nada fácil. Difícil aceitar como as coisas acontecem, difícil lidar com o que não esperamos, com o novo, com o diferente, com o que diverge e nunca se encontra – paralelas. Seria eu uma linha paralela? Encontrar-me-ia em pleno vácuo em uma busca constante para nunca encontrar? Viver dessa maneira, esperando algo que nunca vai acontecer, é sofrer e saber porque se sofre. Acostumar-se com a solidão ou buscar pelo novo mesmo quando o novo não faz sentindo e não te cativa? Se não me cativa, dispenso e passo adiante.

Existem coisas na vida que são insubstituíveis e nelas incluo pessoas. O sorriso, o toque, as manias – coisas que ficam, e não simplesmente passam. Os momentos, as conversas os beijos – coisas que marcam, e não simplesmente acontecem. Escolho pela solidão por preferir assim, por acreditar que nada possa substituir o que um dia já senti, e isso me assusta.

Me causa espanto por ser decisão minha e por eu estar trilhando um caminho no qual posso me perder – ou já estaria eu perdido? Ando pelas trilhas sem deixar migalhas de pão, ando desatento seguindo adiante despreocupado, com a cabeça leve e o coração – ah, sempre o coração – repleto, cheio e saturado. Estou só, ecoa pela minha mente. Estou só. Uma aflição começa a preencher todo meu vazio emocional e a desordem se instaura. Choro, grito e durmo. Choro, grito e durmo. Cíclico assim. Me dá medo isso, me dá medo a solidão. O estar só sempre me foi muito querido, sempre muito almejado. E quando, de fato, conquistamos o que queremos – ou os anjos, do céu, dizem amém – nos perguntamos : e agora?
Faço minha prece e deito. Que seja como deve ser.

- Entendi. E como você se sente a respeito disso?

sexta-feira, 4 de março de 2011

Ensaio: O Homem pós-moderno e a convicção do Não

Escolhas, direções e melhores destinos. Nunca foi fácil saber por onde ir, nunca foi certo que o caminho a ser seguido fosse nos trazer o que tanto almejamos. Existe um vazio que fica, e que por ser tão imenso chega a causar eco com uma simples respiração ofegante, respiração essa provocada pelas incertezas, pelo medo, pela ansiedade de ser incapaz de conquistar o que se planeja.

Há aqueles que, certos de sua derrota, já não procuram, se deixam levar. Vagam pelas grandes metrópoles (ou pequenos povoados – isso já não importa) na esperança de que o destino lhes reservem uma miserável migalha de esperança. O ânimo, a essência da alma humana, já não existe. Em compensação, temos a dor, a fraqueza, a ilusão. Apesar de saber que nada seria fácil e que se propôs a isso, tempos antes de aqui estar, fica impossível assimilar certas mazelas sem sentir-se frustrado e incapaz. Sua única certeza (convicção e crença) é o não. Três letras presentes no caminho do homem, três letras costuradas em seu destino como se faziam as antigas mulheres que cuidavam dos teares. Três letras enraizadas em seu corpo, físico e espiritual, como uma grande mangueira no auge dos seus 120 anos.

O homem enfraqueceu. Perdeu a vontade de se descobrir, já não sabe se reinventar. Aceita, de cabeça baixa, o que lhe é colocado sem ao menos se questionar. Engana-se, e muito, quando através de alguma reflexão barata e imbecil pensa estar recuperando o que foi perdido, trazendo a tona o que está oculto. O homem pós-moderno toca a superfície com a ponta dos dedos e contenta-se com isso. Não existe a ânsia pelo novo, pelo incrível, pelo inimaginável. “Vejo o que toco, toco o que vejo e isso me basta”. Ele não se ama e, consequentemente, a caridade quase inexiste. Não ama ao outro, porque não ama a si mesmo. O ser individual prevalece sobre todas as coisas, a amargura egoísta e a maldade egocêntrica dominam as escolhas, prevalecem sobre os mais belos sentimentos que já existiram. O caos domina e traduz, quase que perfeitamente, o que existe interiormente.

Abstrata, a felicidade escorre pelas suas mãos e que, por não ser sólida, se desfaz pelo ar. Perdida, vaga entre um grão e outro de poeira em busca de alguém que esteja disposto a aceitá-la da maneira como chegar. Sem mais idealizações, sem mais essa busca incessante pelo perfeito, ela chega tímida e vai embora num piscar de olhos, por isso é difícil tê-la sempre por perto. Hoje, pior do que ontem, o homem conflituoso e incerto do que busca já não passa nem perto de tocá-la e contenta-se com isso, com o “não ter”.

Compartilhar causa-lhe dor, ajudar não lhe dá lucros, se doar não lhe dá vantagens. O ego se sobrepõe e destrói tudo por onde passa, sem piedade. E ele continua aceitando, continua vendo na desgraça alheia (e na própria) motivos para mais destruição. Aceitar o não, por mais cômodo que seja, talvez seja a pior coisa que o homem tenha feito. A vida não se transforma, a sociedade não se modifica e homem não cresce. Nos entregamos, a cada dia, a nossa maior tragédia.