sexta-feira, 11 de março de 2011

Sua água, senhora.

Dia cinzento e frio. A chuva caia fina pela cidade, já era possível observar algumas poças pelas calçadas. Lavava o sujo, limpava os vestígios de algo que algum dia já se amontoou. Era água, água dona de grande pureza e que sozinha poderia dar o brilho que o pó ofuscava. O ônibus parou no lugar onde ela costumava descer. Talvez fosse a última parada, o último suspiro antes de se encontrar com o desconhecido.

Dona de cabelos curtos a senhora trazia um olhar triste e lábios finos que quase formavam uma meia-lua. Em um primeiro momento, hesitou ao por os pés para fora do veículo, como se ao invés de água, fosse lava o que existisse sob seus pés. Eis que uma gota trazida pelo vento tocou-lhe o rosto. Sentiu o gelado escorrer por entre as maçãs chegando, lentamente, a boca. Fria, escorregadia e inesperada. O sabor da supressa, o gosto do inesperado que veio de longe e beijou-lhe, sem pudores. Numa falsa intimidade, numa abusiva intimidade tocou seu corpo com ousadia fazendo-a arrepiar. Era assim que então acontecia? Sem esperar, sem planejar, sem desejar?

Foi tão fácil que custou a acreditar, não sabia como reagir. Na ânsia de eternizar o momento se quer piscou, não mexia um músculo na tentativa de prolongar a sensação do novo, do extraordinário. Era como se tivesse tocado o mundo, sentido da dor mais agonizante a alegria mais plena. Estava viva, por mais que duvidasse, estava viva. A esperança havia chegado, e agora só dependia dela saber utilizar o que lhe foi cedido. A gota continuava estática, se equilibrando entre o começo e o fim da triste lua como se aguardasse uma decisão. Num gesto único de coragem a senhora resolveu reagir, passou a língua nos lábios e engoliu gota.

Em pleno caos sentia lentamente o líquido fazer a passagem por todo seu corpo até chegar ao seu estômago. Deitada em pleno caos abriu a boca sedenta e encheu-se de esperança antes de fechar os olhos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Intenso