domingo, 16 de outubro de 2011

venta

Fazia tempo que não acontecia. Não sei bem ao certo qual o motivo. A quem quero enganar? Conheço exatamente, como cada polegada do meu corpo . Talvez eu queira me passar a perna, esconder o que esteja profundamente marcado em minha alma, impossível ser camuflado, esquecido, abortado, excluído, jogado, queimado às pressas. Impossível ser reciclado. E se for queimado, sempre vai ficar no ar alguma partícula - alguma ponta negra flutuando, lentamente, caindo, lentamente, e chegando com facilidade ao chão. Por mais que eu tente impedir, depois de riscado o fósforo e incendiado aquele amontoado de sensações - tenho estranhado essa palavra e logo explico porque - sempre vai pairar no ar o vestígio, o resquício, a sobra, o resto. E eu, sinceramente, cansei de restos - ainda mais estes restos do passado em formas demoníacas, assustadoras e com faíscas avermelhadas.

E o sentir? Ah, o sentir. Já nem sei o que sinto, já disse que fazia tempo que não acontecia - não me cobre, não tem o direito. Sensações raras venho vivenciando, o completo vazio preenchido com dúvidas e dores invisíveis aos olhos - mas claras, até demais, ao coração. Confesso que fechei algumas portas, e muitas janelas - o sol me queimava a retina e me deprimia. Não deixei o vento correr por medo de que a poeira sujasse as minhas roupas e madeira frágil da sala de jantar. Tenho pavor da poeira e cansei de passar pano úmido. Cansei. A água sempre foi insuficiente para o tanto de trapo que eu deveria lavar. Sem falar de alguns que abriam todas suas janelas e me traziam os panos, encardidos quase podres, para que eu desse um jeito.

" Ele vai dar conta. Ele limpa."

Janelas escancaradas. As minhas? Fechadas com travas e cadeados - não me perguntem das chaves, esqueci por aí. E o vento não tem piedade, quando você menos espera, ele entra. Pode ser brisa leve, pode ser vendaval - depende de como você esteja disposto a recebê-lo. Ele conhece o seu interior e , atrevidamente, invade pelas menores frestas indo ao seu encontro. Se está preparado, vai ser fácil. Se não estiver, vai ser impossível. Por isso fecho janelas, portas, tapo buracos, escondo chaves, perco as chaves, me tranco e ajoelhado escuto atentamente os estragos causados pelo ar em movimento. Os gritos são os primeiros a chegar, em seguida, temos silêncio. E por fim, as risadas dos que souberam receber este tão exigente visitante. Alívio. Passou.

De uma maneira estranha me sinto tocado por ele. Ele mais destrói do que ajuda. Mais causa o mal do que auxilia. Mas me sinto tocado. Sempre que ele passa me pergunto se estaria preparado para abrir minha casa e recebê-lo - sem medo da sujeira, da bagunça, dos estragos. Seria preciso pensar nas consequências, aceitá-las, e depois tomar posição, sem arrependimentos. E quando me animo a tentar dar alguns passos em direção a porta para tirar as pesadas barras de ferro que a sustenta, me lembro:

- As chaves. Não tenho as chaves.

E tudo volta a como era antes. Me ajoelho, faço uma oração descomprometida e aguardo a próxima visita. Escuto as alegrias e as tristezas, me emociono com as largas risadas e me deprimo quando descubro que o vento , de alguma forma, causou estragos. Eu preciso deixar que ele entre, eu sinto que preciso da mudança, da reviravolta. Preciso dessa bagunça momentânea para depois poder reorganizar meu lar. Tenho sim a necessidade de passar o pano úmido e sentir o sol de novo queimando, dessa vez, minha pele - e não mais a retina.

Sentir. Por mais estranho que me pareça esta palavra hoje, sinto. Sinto! Eu preciso voltar a sentir. Preciso voltar a sentir. Preciso voltar a sentir.

Uma brisa suave ou uma vendaval com muita poeira. Venha. Arrebente minhas janelas, entre sem permissão, invada meu território. Bandeira branca! Espalhe as cartas de um último jogo de tarot sobre a mesa, derrube móveis, faça seu estrago. Chorar ou sorrir. Estas são as duas possibilidades que de uma forma ambígua se unificam em uma só : sentir.

Arrebente as portas. Quebre as janelas.
Eu estou pronto e assumo daqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Postado a 01h01m. sem mais