sábado, 16 de abril de 2011

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Meu amor,

Quanto tempo, como vai você? Hoje me peguei relembrando alguns momentos que passamos juntos, tempos atrás. Não que eu ainda pense em você, mas hoje aconteceu o inevitável: me encontrei com minhas lembranças, no mais escuro beco da minha alma, na mais profunda sala das sensações passadas. Encontrei um desenho , acredita? Encontrei um belo desenho que você havia feito em alguma ocasião. Árvores em todas as cores quentes, muitas. Era assim como eu me sentia naquele exato momento,multi-colorida. Como você sabia? Do vermelho ao amarelo cítrico, do laranja ao verde-limão, multi-colorida.

Já faz alguns anos que não nos falamos, talvez até tenha se casado, tenha filhos, uma casa linda com um jardim imenso e uma esposa dedicada. Será que ela sabe lidar com as suas manias? Como me irritava quando ficava calado diante algumas situações. Eu acabava tomando todas as decisões, eu é quem conduzia nossa dança - neste quesito seu cavalheirismo deixou a desejar. Mas já passou, acredito que tenha mudado. Eu acredito.

Você ainda fuma? Um romance alto-destruitivo o nosso. Dividíamos maços e maços de cigarros com filtro vermelho, se recorda? Eu ainda carrego as marcas desse vício - respiro com dificuldade. Era tão bom, nossa era tão bom. Final da tarde naquele grande parque, olhando para lua, sentindo o vento frio típico na nossa cidade, abraçados e unidos pelo vermelho, até o filtro. Unidos como a saliva e filtro. Como lábios e filtro. Como um duplo-filtro que ao mesmo tempo que purifica, mata.

Estou rindo. Não, não de você. Estou rindo pelas coisas que vivemos, relembrando, vivendo novamente. Éramos tão jovens, tão imaturos. A ânsia por viver o desconhecido, por explorar todas os caminhos que a vida oferecia, por se jogar sem ter que manter algum compromisso, acho que foi isso que acabou com a gente. Eu tentei aproveitar até a última tragada, na verdade segurei a fumaça por mais tempo até que deveria. Já você, vi que soltou rápido, acredito que depois nos afastamos até parou de fumar. Eu me viciei, me viciei. E carrego marcas até hoje. Já disse que sinto dores no peito? Dizem que é no pulmão, eu já não tenho tanta certeza.

Já não estou rindo. O que poderia ter acontecido se tivéssemos seguidos juntos? Hoje tenho duas filhas, lindas aliás. Clara e Maria, lembrei-me de você quando a primeira nasceu. Era esse o nome que daríamos a nossa primogênita. Mas não sou casada, não mais. Nunca o amei como amei você, sabia? Aquela sensação de querer estar junto,pra todo o sempre. Na verdade não sei se deveria estar lhe escrevendo agora, desenterrando essa história. Não sei qual vai ser sua reação ao ler isso. É que eu encontrei um desenho que me representava: multi-colorida.

Mas me conte de você, como você está? A última notícia que tive sua foi há tempos, meu Deus, eu tinha 30 anos. Era uma menina ainda. Uma amiga nossa em comum disse ter encontrado você no aeroporto de São Paulo." Olhos verdes, aquele mesmo cabelo bagunçado. Um sorriso lindo, e muito bem de vida." Ela disse que o tempo não passou para você, que está inclusive mais bonito desde quando terminamos. Fiquei curiosa. Perguntei sobre alguma aliança, ela não soube responder. Disse que não trocaram muitas palavras. Talvez estivesse indo fechar algum grande negócio, ou encontrar com sua bela senhora esposa em uma outra cidade. Você carregava uma pasta cheia de papéis "São projetos. Ele os carrega para cima e para baixo. Desde aquela época. Pelo jeito não mudou quanto a isso." disse nervosamente a nossa amiga - que ficou espantada com tantas lembranças que ainda guardava em minha memória.

Está no coração, por isso não esqueço. Não ousaria guardar qualquer lembrança sua que não fosse lá. Que saudade, meu amor. Que saudade. Será que você ainda se lembra de mim?Eu sempre tenho minhas dúvidas quanto a isso. Não, eu não estou cobrando, longe de mim. Só ficaria feliz se lembrasse quem sou, ou quem fui algum dia em sua vida.

Já foram três cigarros até aqui. Me viciei. Já disse que me viciei? E quando a gente vicia em algo, quando se cria dependência, quando as raízes se fixam firmes no chão é complicado conseguir êxito em alguma mudança. Me acostumo com a desordem e a tomo como referencial de organização. Estou presa a essa bagunça, em pleno labirinto sem saber onde está a saída, ou como resolver o impasse. Não que eu ligue, mas tenho consciência disso. Estou perdida num caminho que pensei ter criado junto a você, me perdi. Não há mapa, nem setas, nem placas. Caminho sem rumo. Estou perdida em mim, estou perdida em você. Sabe onde me encontrar? Não, não moro mais alí. Não me habito, não sou dona de mim. Sabe como me encontrar? Eu saberia, se não o tivesse conhecido. Eu te amo, não me deixe perdida e , o pior, sem tê-lo junto a mim. Meu endereço está na parte de trás, meu eu físico vai ser facilmente encontrável. Em carne e osso, vai poder chegar até mim. Espero que não apenas em osso. Caso se perca, mando um desenho para que possa me encontrar. Esqueça o endereço e siga as cores, não vai ser difícil. Hoje sou multi-colorida, só que ao contrário.










Até breve.
Com carinho,

K.L

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